A história que ultrapassa os limites do palatável.

    Daniela Arbex, 49 anos, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte, por seu best-seller Holocausto Brasileiro como Melhor Livro-Reportagem do Ano de 2013. Ela, também, escreveu outros livros-reportagens como “Todo dia a mesma noite” e “Arrastados”. Fundamentando essa produção em mostrar a real e perversa realidade dos loucos, Arbex conta a história de pessoas como Antônio Gomes da Silva, Sônia Maria da Costa e Elza Maria do Carmo, que viveram dias tenebrosos e malditos dentro dos portões do Colônia.

(Imagem do documentário inspirado no livro de Daniela Arbex “Holocausto Brasileiro”)   


    Um livro em que a autora utiliza os relatos das vítimas, fotografias de outros jornalistas, documentos do hospital e mais uma série de informações e fontes para contar a trágica história de um dos maiores hospícios do Brasil, lugar considerado como lixão humano. 

    No Colônia, as pessoas eram torturadas, agredidas e menosprezadas. Sueli Rezende é um exemplo disso, ela foi submetida à beber sua própria urina para matar a sede, se empilhar para tentar não morrer no frio, comer ratos para não morrer de fome e enfrentava diversas sessões de eletrochoque como punição do seu comportamento. Essa que parece uma história escrita para roteiros de novelas da Globo, foi a realidade de muitas pessoas que, assim como Sueli, não tinham outra opção se não se submeter a essa humilhação.

    A produção literária trata de forma empática os tristes relatos das vítimas, além de também explorar a visão de ex-funcionários que se incomodavam com as atrocidades do campo de concentração brasileiro, mas que nunca tiveram coragem de desobedecer as ordens dos reais loucos daquele lugar e ajudar quem sofria, por medo de retaliação. Daniela conta, também, sobre a vida de Geralda Siqueira Santiago, que foi estuprada por seu patrão e engaiolada naquele lugar para que ninguém descobrisse sobre a criança. 

    Crianças que eram quietas demais ou travessas demais, eram aprisionadas. Assim como foi o caso do filho de Ana Pereira de Oliveira, uma pobre mãe de Grão Mogol, que mandou seu filho, Luiz Pereira de Melo, embarcar no trem de doido (como ficou conhecido o trem que levava os pacientes ao Colônia), com o intuito de ajudá-lo a melhorar, pois ele era um garoto muito quieto e na dele. Ela esperou a cada dia a volta do amado filho, que nunca teve como destino sua casa e nunca mais viu sua mãe. Anos depois, ele e sua irmã se reencontraram e apesar dos muitos anos passados, eles se reconheceram, se abraçaram e choraram muito.

    O Hospital Colônia de Barbacena foi fundado em 12 de outubro de 1903, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, município que ficaria conhecido como “Cidade dos loucos”. Teve como verdade a super lotação em 1930, trinta anos depois, um espaço projetado para 200 pessoas agrupava 5 mil. Como alternativa das camas, usavam capim para poder alojar mais e mais pacientes. Descabida, mas considerada inteligente, essa alternativa foi recomendada pelo Poder Público para outros hospitais do estado em 1959. Em 2013, dessa tragédia, havia apenas 200 sobreviventes. 

    Daniela traz à tona uma triste verdade do Brasil, traz à tona, com uma ilustre e muito bem construída narrativa, o destino torpe dos desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todo tipo de indesejado. Este é um livro que deveria ser obrigatório em escolas de ensino médio, pois mostra o que foi verdade durante mais de um século no Brasil.

    Uma história que ultrapassa os limites do tolerante, do aceitável e do normal. Uma história que se contada por Machado de Assis ou Guimarães Rosa, seria considerada ficção. Uma história que acreditamos ver apenas nas produções audiovisuais, porque entendemos que foge do real. Essa é a história do Colônia, um manicômio de Barbacena que desumanizou todos aqueles que eram considerados escória, que se sustentou com o dinheiro do governo enquanto torturava seus pacientes sãos, que deixavam seu estado pleno e se tornavam loucos naquele horrendo lugar. Essa é a história de um campo de concentração sustentado pelos impostos. Esse é o Holocausto Brasileiro. 

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